Presidente do Cofen reúne-se com Ministros para expor posicionamento contra o Ato Médico

Durante o Seminário Administrativo do Sistema Cofen/Conselhos Regionais na semana passada, foi produzida de maneira coletiva carta aberta à Enfermagem para demonstrar o impacto negativo que o Projeto de Lei conhecido como Ato Médico acarretará para a saúde, em especial o Sistema Único de Saúde, se sancionado pela Presidenta Dilma Rousseff.

O documento exemplificou situações cotidianas desenvolvidas pelos profissionais de Enfermagem e regulamentadas na Lei do Exercício Profissional da Enfermagem que serão afetadas pelo Ato Médico.

O assunto descrito na carta esteve na pauta da audiência de quinta-feira (27/06) com os ministros Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) e Gleisi Hoffmann (Casa Civil), no Palácio do Planalto. Na reunião, uma comissão formada por representantes de 14 setores da área da saúde e dos estudantes, pediu à Presidenta Dilma Rousseff o veto total do Projeto de Lei nº 286/02, que trata do chamado Ato Médico, aprovado em junho pelo Senado.

A Presidente do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), Marcia Krempel, que participou da audiência, disse que nenhuma profissão é contra a regulamentação da profissão do médico, mas as demais profissões da área da saúde têm que ser respeitadas. “O projeto vai de encontro às atividades praticadas cotidianamente pela Enfermagem na rede pública de saúde.”

A principal crítica dos profissionais está no Artigo 4º, que estabelece atividades privativas à categoria médica.

Ficou acordado na reunião com os ministros, que a comissão formada por representantes de seis profissões de saúde afetadas pelo projeto – Enfermagem, Serviço Social, Nutrição, Terapia, Fisioterapia, Acupuntura – vai assessorar o Governo Federal na indicação de vetos.

Confira a Carta Aberta do Sistema Cofen/Conselhos Regionais sobre Ato Médico

O Conselho Federal de Enfermagem e os Conselhos Regionais, criados pela Lei nº 5.905/1973, vêm externar preocupação com o impacto social que a aprovação da Lei intitulada “Ato Médico” trará, caso ocorra a sanção presidencial. Esta Lei irá contrariar os Princípios Constitucionais doutrinários do Sistema Único de Saúde (SUS), previstos nos artigos 196 e 198 da Constituição Federal, e no artigo 7º da Lei Orgânica da Saúde nº 8080/1990.

A Enfermagem, como profissão, foi regulamentada pela Lei nº 7.498/1986 e pelo Decreto nº 94.406/1987, tendo como objeto de ação o cuidado aos usuários na promoção, prevenção e recuperação do ser humano em todas as etapas do ciclo de vida. A categoria, que participa e atua ativamente no Sistema Único de Saúde, será diretamente afetada com a sanção na íntegra da Lei do Ato Médico.

No artigo 4º, inciso I, da Lei do Ato Médico, a formulação do diagnóstico nosológico, e respectiva prescrição terapêutica, atinge todas as atividades e ações necessárias à melhoria da saúde do indivíduo. No que diz respeito ao Enfermeiro, haverá cerceamento de direitos, uma vez que o profissional coloca em prática todos os meios adequados no cuidado integral ao usuário, família e coletividade, nas suas atividades terapêuticas.

Ainda no artigo 4º, inciso II, traz o texto: “indicação e execução da intervenção cirúrgica e prescrição dos cuidados médicos pré e pós-operatórios”. Os partos normais e sem distócia necessitam, em alguns casos, de procedimentos cirúrgicos chamados episiotomia e episiorrafia, com aplicação de anestésico local. Esses procedimentos são realizados por Enfermeiros Obstetras, que ficarão limitados à indicação e intervenção somente do médico, mesmo sendo esta atividade garantida aos enfermeiros especialistas pela Lei nº 7.498/1986 e pela Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS.

No inciso III, diz o texto: “indicação da execução e execução de procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos ou estéticos, incluindo os acessos vasculares profundos, as biópsias e as endoscopias”. Ao tratar de procedimentos invasivos, a proposta ignora os direitos e prerrogativas legais do profissional Enfermeiro, que se utiliza de métodos invasivos específicos na assistência direta ao usuário, embasado nos conhecimentos técnicos e científicos, para garantir uma assistência de qualidade e segurança. Destacamos, entre muitos procedimentos invasivos efetuados pelo Enfermeiro: instalação de acesso venoso periférico; sondagem vesical, nasogástrica e nasoenteral; imunizações e acupuntura. Procedimentos necessários e, muitas vezes, intervenções imediatas para a manutenção e preservação da vida do usuário. Estes procedimentos estão previstos e incorporados na maioria dos protocolos e rotinas assistenciais dos serviços de saúde, sendo portanto, desnecessária a inclusão do complemento: “de acordo com prescrição médica”.

Outro fator a ser destacado refere-se ao diagnóstico e prescrição terapêutica. Impedido o Enfermeiro de realizar diagnóstico e prescrição terapêutica de patologias, para as quais as evidências dos sinais e dos sintomas não deixam dúvidas quanto ao diagnóstico e tratamento, haverá consequências graves para os usuários do SUS. Afinal, a população sempre contou plenamente com o profissional Enfermeiro para efetuar os tratamentos de doenças como tuberculose, parasitoses intestinais, hanseníase, sexualmente transmissíveis (DST’s), entre outras. O diagnóstico e a prescrição terapêutica para tais patologias, executados pelo Enfermeiro, foram normatizados pelo Ministério da Saúde, através de Manuais, Protocolos e outros documentos oficiais, e se encontram perfeitamente respaldados pela Lei do Exercício Profissional.

Há que se ressaltar que o Ato Médico – se sancionado na sua integralidade – acarretará situações conflitivas para os Enfermeiros e, consequentemente, o engessamento do Sistema Único de Saúde. Aqui podemos dar como exemplo o Programa Nacional de Imunizações, que desde sua implantação, em setembro de 1973, foi eficazmente efetivado e acolhido pelo Enfermeiro, que recebeu a devida capacitação para o controle e administração dos insumos, além de forte contribuição para seu fortalecimento. O Enfermeiro planeja, organiza, coordena, executa e faz avaliação tanto da estratégia, como da cobertura vacinal e taxa de abandono, o que possibilita perceber a realidade, avaliar os caminhos, construir um referencial futuro, estruturando o trâmite adequado, além de ser capaz de reavaliar todo o processo.

Outro programa essencial que é abraçado pelo Enfermeiro e preconizado pelo governo é a Rede Cegonha. Trata-se de uma iniciativa ambiciosa e pioneira, que visa alcançar muitos objetivos, especialmente a redução do número de óbitos evitáveis de mulheres e de crianças no país. A Rede Cegonha será fortemente atingida, caso haja a sanção presidencial da Lei do Ato Médico em sua íntegra.

Desta forma, podemos resumir que o impacto do Ato Médico desrespeita os avanços conseguidos na perspectiva dos princípios da integralidade, principalmente na atenção básica, com a constituição das Equipes de Saúde da Família, que trabalham de forma multiprofissional e horizontal na organização do processo de trabalho. E também fere a autonomia do Enfermeiro ao criar o verticalismo nas ações e atividades, que passariam a depender de prescrição médica, desconsiderando os avanços na prática, no conhecimento e na tecnologia já normatizada pelo SUS.